Conto extremamente triste

Conto extremamente triste 

Eu estou extremamente triste, aliás estou sempre extremamente triste quando estou triste, não sou de meias tintas nem de alusões afeminadas do género estou tristinho, ou tenha uma neurazinha, ou mais intelectualmente estou deprimido. Nada disso, quando estou triste é mesmo para valer, de meter o beiço caído até ao chão, de arrastar as mágoas em lamentos lancinantes, de ir à varanda e gritar: estou triste como o caraças, pô !! (Ia escrever porra mas acho que era demasiado alegre).
 
 Pois bem, dentro desta alarvidade de tristeza não há gota de alegria que entre, mesmo que ela esteja a chover. O meu corpo e a minha mente fecham-se, encarquilham-se, é o termo, curvam-se sobre si mesmos e servem de ricochete a toda a possibilidade de alegria que ronde pelas proximidades. Um sorriso, mesmo daqueles simpáticos que noutras alturas me comovem tem o mesmo tratamento durante a minha tristeza do que um palavrão, do que uma bofetada com luva, do que um - mesmo pequeno que seja - aumento dos impostos ou do preço do tabaco.
 
 Para mim estar triste é isso mesmo, sofrer até à última gota esse manancial de tristeza, tê-la nas mãos e jogar com ela, acompanhá-la a todos os momentos (mesmo quando vai à casa de banho), almoçar com ela, a tristeza, e jogar-lhe a mão retendo-a para que ela se não levante da mesa antes de mim. Aliás temos que levantar a mesa e lavar os pratos e por aqui não há baldas.
 
 Por isso, e dada a prática e análise sempre aprofundada que faço, acho que das pessoas que conheço ninguém consegue estar tão triste quanto eu quando está triste. Aliás, é com algum desgosto (e mesmo menosprezo agora que ninguém me lê) que verifico que uma larga maioria das pessoas que conheço e que se põem tristes, muitas vezes por dá cá aquela palha, são simples amadores nesta coisa da tristeza.
 
 Provavelmente isso nasceu com eles, a tal fraca potencialidade para estarem tristes, ou ainda, o que seria muito mais chato, estão tristes, dizem-me que estão tristes, mas de facto não estão tristes. É claro que a algumas pessoas eu topo-as logo, não sou parvo, mas outras conseguem de facto ser convincentes ao ponto de me convencerem que estão mesmo tristes e é nessas alturas que eu levanto os ombros, coloco as mãos em estilo de apanhar (ou prece árabe) e lhes pergunto:
 É isso (?), isso é que é estar triste? Caramba (!) não há tristeza como a minha.
 
 E depois conto-lhes o que é estar triste, verdadeiramente triste, extremamente triste, e como se consegue o nirvana da tristeza. Até agora só dois ou três aguentaram a minha exposição até ao fim. A maior parte balda-se e aí vejo que eles me enganaram e não estavam de facto assim tão tristes ou que não estavam mesmo tristes de todo ou que, talvez a demonstração comparativa da sua fraca potencialidade de tristeza com a minha os tenha convencido de que afinal não estavam tristes mas sim alegres sem o saberem.
 
 Nessas alturas, nos momentos em que me apercebo de uma fraude, voluntária ou involuntária porque há fraudes involuntárias que é quando as pessoas não sabem que estão a defraudar, nessas alturas nem sequer fico triste embora lamente que as pessoas não saibam bem aquilo que querem e não saibam o estado anímico em que se encontram: vou-lhes chamando cobardolas à medida que se vão escapando pelo corredor em direcção á porta, atiro-lhes clips, bolinhas de papel, e nos casos mais graves pontas de beatas no caramelo e mais aquilo que me vem à mão mas nada de mobílias ou coisas que custem dinheiro porque eu posso estar frustrado pela violência das constatações mas sou pobrezinho e as minhas cadeiras desfaziam-se no ar antes de atingirem qualquer coisa.
 
 Por isso, meus amigos e amigas (sabe sempre bem uma pessoa sentir-se acompanhado no raciocínio mesmo que isso não seja verdade) tristeza com esta força toda só existe a minha. Sou modesto ao ponto de não querer considerar-me desde já campeão mundial da tristeza mas tenho quase a certeza que deixaria os maiores especialistas internacionais em tristeza a milhas da meta quando eu chegasse.
 
 O que seria triste para eles, mas só triste e nunca extremamente triste como eu fico quando estou triste. Isto de não ter concorrência à altura é, pois, um verdadeiro suplício.
 
 E isto, do suplício faz-me lembrar aquela anedota do gajo que estando para ser guilhotinado perguntou o que seria do futuro dele cego, surdo, mudo e sem a boca para beber e comer. Acabou por ver comutada a pena, pois claro ! O que é que esperavam?



23/10/2007
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