Memória sem número

Hoje, a esta hora, estou chateado. A coisa não tem corrido como eu penso:é certo que o Sporting ganhou, mas o Benfica deveria ter perdido ou pelo menos empatado e o Porto, esse, deveria sumariamente ter perdido, aí por umas 20 bolas a zero, de preferência.

 

Depois há um facto singelo que me colocou ainda mais de rastos: a minha companheira, mulher de grandes caminhadas conjuntas, foi à Feira e não me comprou churros, coisa que ela sabe que eu gosto, pelo menos na época da feira.

 

Nunca compro churros noutra época, às portas do estádios de futebol ou esses sítios assim onde ninguém conhece ninguém. Na Feira a coisa - a venda de churros - tem uma tradição familiar. Não é o Zé dos Churros ou a Roulotte dos Churros, é a Família Ferreira, a Família Rodrigues, a Família qualquer coisa quem faz os churros, é um empreendimento familiar, uma coisa com bases, com tradição, até com segredos de fabrico, daqueles que não se dizem a ninguém durante gerações e que passam de pai para filho e de mãe para filha.

 

As mães, das famílias dos churros ensinam às filhas como dizer a um freguês que o churro está frio quando está quente e que o churro está quentinho quando está frio. Ensinam-nas a misturar o açucar com a canela, a dar aquela voltinha na bandeja com o churro bem atracado na tenaz e a introduzi-lo rápida mas delicadamente num saco ou, no caso dos tesos que só compram um churro, ensinam-lhe a plantá-lo com exactidão sobre o guardanapo, deixando o objecto bem centrado com uma ligeira inclinação para a esquerda, para dar espaço à transmisssão do testemunho em forma de churro.

 

Os pais das famílias Rodrigues dos churros e outras ensinam os filhos a fazer a massa, a metâ-la naqueles tubos compridos parecidos com os de cola industrial, com um gatilho que pressiona a massa e a faz sair direitinha e redondinha com efeito de sulco para dentro da frigideira.

 

O movimento circular com que se mete a massa no óleo tem de ser mesmo circular porque a frigideira é redonda e para isso é preciso pelo menos algum conhecimento de geometria analítica. Acho que eles devem ser licenciados ou coisa que os valha. Eu era incapaz de fazer tal coisa embora me desenrasque mais ou menos nas também circulares panquecas caseiras.

 

É claro que me tenho questionado,sobretudo nos três últimos anos, como é que a família Ferreira, ou a família Nogueira, ambas dos churros, ou outra que esteja na fila imensa de casotas arroulotadas com garrafas de óleo,com pacotes de farinha e pacotes de açucar nas prateleiras conseguem ter descendentes de nacionalidade brasileira ou ucraniana, mas esse mistério continua para mim um mistério que me recuso a desenvolver.

 

É um segredo deles, tal como os condimentos que eles metem na massa dos churros, tal como o ponto que calculam na relação entre o volume dos bicos dos fogões e o tempo de cozedura. Só a família Ferreira, ou outra família dos churros sabem como isso se consegue.

 



08/11/2008
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