O dilema do caranguejo

O dilema do caranguejo


Ser inteligente, como eu sou - e isso é reconhecido e nem mereceria referência se não desse lustro ao texto - tem as suas vantagens e tem os seus inconvenientes. Vantagens é porque se sabem coisas e se tem possibilidade de vir a saber mais e desvantagens é porque a inteligência não deixa escapar uma e por vezes martiriza-nos o cérebro a horas sedentas de descanso.

Neste caso concreto, e porque se acentua muito, nestes tempos, a informação genética com o instinto, neste caso que vou referir, o instinto de sobrevivência, lembrei-me de uma questão que tem sido pouco debatida (aliás não me lembro de alguém se ter referido a ela em todas as minhas abundantes leituras) que é o que teorizo como sendo o dilema do caranguejo. Quem sabe sabe e quem não sabe não vale a pena estar a explicar mas existem uns bicharocos de ria, sapal, ou superfícies lagunares sobretudo com água salgada que se chamam de caranguejos de boca ou noutros sítios se chamam de bocas de cavar terra, coisa estúpida esta por que na sua grande parte o que escavam é a lama e as bocas são um mero instrumento e não o sujeito em si. Quem escava a terra são os caranguejos que por suas vez são providos de potentes bocas tipo alicate ou tesoura cuja dentada não é nada agradável de sentir.

Verifica-se, no caso destas bocas, uma desproporcionalidade entre o tamanho e a potencialidade de força que se pode afinar como conhecimento estudando o incómodo insecto pulga, alegadamente e na comparação com o homem, capaz de dar saltos de 11 andares. Lembremo-nos também das simpáticas - salvo quando nos entram em casa - formiguinhas, para não falar de outros bicharocos, cuja capacidade e resistência supera em muito aquilo que seria comparável na relação peso - potencial de força humanos.

Mas o dilema do caranguejo não é só o dilema do caranguejo: de uma forma geral todos os animais percorrem o mesmo percurso e só se desviam dele, ou escolhem outro, quando um obstáculo intransponível ou inconveniente lhes corta o caminho. Tenho isto tudo na tolinha pelo que é possível que a generalização seja excessiva e não estou com tempo para consultas bibliográficas, mas lembro essa pérola da sabedoria popular, como reforço deste meu pressuposto, que diz "que as cobras quando querem morrer buscam os caminhos!" sendo certo que elas percorrem sempre os mesmos caminhos embora por vezes sejam encontradas pelos humanos, que esses, sim, não percorrem sempre os mesmo caminhos nem seguem milimetricamente e cronometricamente os mesmos caminhos e tempos.

Exclui-se deste princípio as cobras que se metem a dormir nas estradas porque isso as aquece, embora os resultados sejam iguais ou parecidos em termos de tempo relacional com o tempo de vida do animal. Uma cobra, por exemplo, pode estar estendida numa estrada de alcatrão (de que gostam muito) há três dias no seu tempo de vida e há meia hora na nossa contagem de tempo.

Mas o dilema do caranguejo é exemplar porque não trata de nada disto, ou, por outras palavras, o que disse atrás não se aplica no aspecto em análise e antes pelo contrário contradiz muito do que disse sobre outros animais. O problema do caranguejo, sendo um problema de caminho, é simultaneamente um problema "abelha": ou seja, todo o seu sentido de orientação está centrado na sua toca e na sua posição em relação à sua toca (na lama e lá muito para o fundo, terra, de facto). Ora quem quer apanhar as bocas (que são chatas de comer mas são saborosas) só tem de surpreender um bando de caranguejos com bocas de razoável tamanho, jogar uma peça que faça estardalhaço, por exemplo uma manta de plástico grosso, e depois correr e apanhar o maior número possível de bocas arrancando-as sem anestesia do corpo sustentável e leve do animal em si. Antes de mais as mentes piedosas dizem que não faz mal porque as bocas do caranguejo voltam a nascer e a crescer, mas não têm presente provavelmente a dor que tal deve dar ao pobre animal.

Ora, o processo de recolha pode durar bastante tempo, porque o sistema de orientação dos caranguejos afectados pelo ruído desequilibrou-se e o termo ver os caranguejos atarantados aplica-se aqui inteiramente. Podem existir centenas de tocas de caranguejos no espaço mas cada caranguejo procura só a sua toca e mais nenhuma. Enquanto isso não acontece fica vulnerável e embora corra está indefeso porque a sua defesa é a entrada na sua toca. E se pensasse não pensaria sequer em entrar numa outra toca que não a sua.

As teorias do instinto de sobrevivência ficam assim para ser vistas a um outro olho: porque razão não entra o caranguejo na primeira toca que lhe aparece ?! Para nós elas são todas iguais mas é evidente que para o caranguejo não o são. Contudo, e fazendo nova experiência, se taparmos a toca de um dado caranguejo mantendo-o na mão até que o façamos e depois o largarmos veremos que esse mesmo caranguejo vai à busca de uma toca que não encontra em primeiro lugar e depois começa a escavar outra. O dilema do caranguejo, quanto a mim, é que o seu computador pessoal só admite uma possibilidade de toca, ou seja, para cada caranguejo uma toca e não havendo esta constrói-se uma nova.

Tudo era mais fácil para os caranguejos se o criador dos caranguejos os não tivesse limitado assim a uma só possibilidade. Mas, com milhões de anos de evolução, não seria já tempo de, pelo menos, lhes ser facultada mais uma possibilidade ?! O que raio faz o Darwin no meio disto tudo?!



22/11/2007
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